terça-feira, 8 de setembro de 2015

A arte do plastimodelismo “caça-níquel”

Vivemos uma época de consumismo um tanto quanto exagerado. Não vou entrar no mérito disso, nem dissertar sobre se é certo ou errado... essa minha coluna aqui não serve para isso. Apenas constatando um fato. O mundo vive uma época de consumismo exagerado, e ponto. No nosso hobby, não poderia ser diferente.

Não, não estou falando dessa coleção enorme de kit que você tem no armário, que precisaria viver mais umas duas vezes pra conseguir montar tudo. (você não é assim? Pois eu sou!) Isso é coleção, não consumismo. Pode parecer a mesma coisa, mas não é. Mas sobre isso falarei em outra ocasião.

Gosto sempre de chegar onde eu quero dando exemplos e experiências próprias, e é assim que vou começar no assunto de hoje. Eu sou um adepto do washed com tinta óleo, essas de quadro mesmo. Foi assim que eu aprendi, é assim que eu ensino, muita gente usa e o resultado é muito bom. Certo dia, recebi de um amigo um dvd de técnicas e dicas desses modelistas “mitológicos” que tem por aí. O cara realmente é bom, mas extremamente exagerado, principalmente nos modelos dos vídeos, afinal o exagero na tela fica mais visível, mais fácil de aprender, e ouvindo com calma a narração do vídeo, pode perceber ele relatando esse exagero proposital. Mas em fim... Entre uma técnica e outra, muitas eu já conhecia, outras realmente eram uma novidade para mim, e chegou a hora do washed. Ele usava exatamente a mesma técnica que eu! A mesma mistura de cores, o mesmo pincel... tudo igual, ou melhor, quase tudo. Na hora da limpeza do washed, veio a dica:
  • Para um melhor resultado, utilize o limpador de washed da marca X, especialmente desenvolvido para o plastimodelismo...
Bom, como eu estava gostando do vídeo, mesmo achando tudo exagerado, mas muito didático, me interessei por aquele produto. Achei que realmente faria toda a diferença...

Passado um tempo, eu consegui o tal produto, um amigo me trouxe junto com outros produtos, e me lembro que não foi barato. Passado mais uns dias apareceu a oportunidade de experimentar o produto pra valer, e aposentar a água rás que eu usava antes para limpar o washed. Mas para minha surpresa... Aquilo era água rás. Cheirava a água rás, agia como água rás... mas não custava como água rás.

Foi nesse momento que “minha ficha caiu”.

O produto da marca X, estava no dvd da Marca X, editado e narrado pelo senhor X. Eu caí na conversa do fabricante...

Comecei a ficar mais cético com os fabricantes desde então, e como modelista profissional, eu comecei a olhar por um novo prisma e entender o que os fabricantes fazem.

 No final dos anos 90 e inicio dos anos 2000 o modelismo amargurava uma enorme crise. Tudo parecia ser mais legal que o modelismo, e o número de praticantes despencou vertiginosamente. Em uma época que fabricantes de kits só faziam kits, ferramentas e produtos muito limitados e improvisados , apenas um pequeno secto de modelistas se manteve fiel ao plastimodelismo, muitos debandaram dos kits para os videogames e internet, novos modelistas então, nem pensar.

Num ato de sobrevivência, os fabricantes se agarram aos poucos, porem fieis clientes e criaram uma politica de “criar aquilo que eles ainda não tem” para terem o que vender. Uma nova onda de kits modernos, produtos exclusivos e uma novidade atras da outra no mercado de ferramentas e insumos trouxe o plastimodelismo ao século XXI. Criar aquilo que o modelista que já tivesse tudo ainda não tinha. Com isso, o modelismo perdeu quase que por completo a imagem lúdica e inocente, e adotou a imagem artística profissional que temos hoje.

Some isso a explosão de modelismo na china, que criou um mercado gigantesco de kits medianos em qualidade, e a baixo custo, e ao fenômeno das redes sociais, responsável por trazer novos modelistas todos os dias, e por conectar artistas pelo mundo todo. Assim o modelismo sobrevive e prospera no século. Mas ele ganhou essa característica um tanto quanto controversa: Vender algo novo para um modelista que já tem tudo!

Eu me encaixo nessa categoria de modelista que tem tudo. Eu tenho muitas coisa, sempre houvi de amigos “nossa chiquito, quanta coisa você tem”. Também conheço muito gente na mesa situação que eu. Sempre que estou nas lojas e eventos em busca de novas ferramentas e novos produtos... adoro isso! Mas nem tudo que reluz é ouro.

Tenho percebido muita porcaria vindo nos rótulos das marcas mais famosas. Ou produtos de funções completamente dispensáveis. Algumas coisas são meros mimos, pra não dizer frescura. Como esse “limpador de washed” que não passa de água rás, ou então a cestinha de decal que não deixa a decal flutuar, assim como um pote com pouca água já faria, ou então colas para transparência em embalagem bem caras, que funcionam exatamente igual a colas brancas escolares.

Mas acredite, eu gosto desses mimos, acho interessante até, tenho e uso os três exemplos citados. O que me incomoda é aquilo que não presta, vendido como a solução, as tais porcarias em rótulos importantes que eu citei anteriormente. É o que eu chamo de “plastimodelismo caça-níquel”. Washed acrílicos que secam e borram os modelos sem chance de correção... produtos químicos para mais diversos efeitos que dificultam e encarecem a montagem dos modelos e que sempre há uma alternativa mais barata ... ferramentas que não cumprem o prometido... e etc...

Os fabricantes estão de olho em nosso dinheiro. É importante ter isso em mente quando estiver escolhendo um produto novo para comprar. Eles não se importam muito com o resultado do seu kit ou se o produto deles está funcionando legal na sua mão, como no dvd ou no livro. O produto estando na sua mão, você já gastou seu dinheiro, já tá bom! É logico que existe muita técnica nova por aí que precisa de novas ferramentas, mas em muitos casos, é apenas a reinvenção da roda.

O importante é ter discernimento na hora da compra. Ouvir a experiência dos outros, pesquisar sobre o produto e pesar se vale mesmo a compra de tal item. Principalmente agora que estamos numa época difícil de finanças, não podemos perder nosso suado dinheiro com produtos de grife que não irá nos ajudar.

Mas evitem ser praticantes do modelismo pau-a-pique também, o outro extremo do modelismo, o "pão durismo" exagerado. Coisa boa é coisa boa, e coisa boa tem seu preço. As vezes um pouco caro, é verdade, mas existe um meio termo entre o simples e o exagerado, mas isso é tema para outro post...

Lembrem-se que talento e experiencia não se vendem em embalagens. Usar o produto do Modelista X, sem o preparo do Modelista X, não vai deixar seu kit igual ao dele. É preciso ralar bastante, errar algumas vezes, perguntar bastante, as vezes pagar um curso para poder chegar no nível que você quer.

Lembre-se também que o plastimodelismo já era praticado em alta qualidade muito antes desses produtos todos invadirem o mercado. Somos apenas uma categoria de arte, e a arte está aí desde que o homem se entende como homem, e algumas soluções que procuramos para nossos modelos já existem em outros ramos da arte. Eu questiono muitas vezes se o modelista X usa mesmo seus produtos quando ele não está fazendo um livro ou um dvd, ou como bom modelista que ele é, se ele sabe muito bem se virar sem os “mimos” que ele criou para vender... sera?

Duvidas, criticas e sugestões escreva para mim, no budiv8@bol.com.br, no www.blogdochiquito.blogspot.com ou no www.facebook.com/blogdochiquito

Um abraço a todos e até a próxima.


2 comentários:

Unknown disse...

Fiquei impressionado com sua sinceridade. Tenho recomeçado meu hobby há muitos anos parado e senti exatamente isso. Muita frescura em coisas que já fazia sem muito material mas com improvisação e criatividade. Não devemos esquecer do prazer antes do resultado
Isso é hobby... Paixão
Dauro Lúcio Rocha

Unknown disse...

Fiquei impressionado com sua sinceridade. Tenho recomeçado meu hobby há muitos anos parado e senti exatamente isso. Muita frescura em coisas que já fazia sem muito material mas com improvisação e criatividade. Não devemos esquecer do prazer antes do resultado
Isso é hobby... Paixão
Dauro Lúcio Rocha